terça-feira, 3 de março de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

Ética em tempos de crise
Parte 3

A ética é também um estudo filosófico acerca dos valores e princípios norteadores do comportamento humano, e, numa fase onde existe uma grande crise de valores, torna-se imperativa uma nova reflexão. Tal como os paradigmas científicos evoluem para novos paradigmas assim que se deteta a sua incapacidade de responder aos problemas postulados, o mesmo deveria acontecer com os paradigmas éticos.

Thomas Kuhn foi um filósofo que se dedicou ao estudo da história da ciência e conseguiu mostrar duas diferentes faces da mesma: Por um lado, a ciência é racional e controlada. Por outro, é uma atividade concreta, que em cada época histórica apresenta características próprias. Segundo Khun, as teorias científicas estão sujeitas a questões e debates do meio social, dos interesses e das comunidades que as formulam. Por esse motivo, Kuhn desenvolveu as suas teorias com enfoque historicista. Assim sendo, e se a própria ciência que se revestiu sempre de carácter objetivo vai sofrer este tipo de influências, então, a ética, devido à sua natureza, necessita de contextos muito mais abrangentes e globais em termos sociais. Se assim fosse, dever-se-ia reformular o paradigma ético de forma a concatenar todos os diferentes paradigmas sociais. Mas será tal coisa praticável? Transportar a ética das nossas convicções morais e consolidar novos paradigmas com base nos valores meramente sociais?

A atividade material humana é uma forma saudável de construção social, pois gera uma forma de competição que impulsiona o desenvolvimento. Os meios de comunicação têm a capacidade de orientar subtilmente o homem, impondo-lhe valores sem que às vezes ele se aperceba. A constante disputa social hostiliza o homem, que acaba por ver nos seus semelhantes meros oponentes e não indivíduos dignos da sua solidariedade, tornando a questão da identidade e alteridade algo que necessita de urgente reflexão e reformulação.

A sociedade atual é dotada de mecanismos que colocam pessoas iguais em planos diferentes. Uns determinam os destinos dos outros porque, simplesmente, são dotados de recursos para o fazer, conduzindo assim o plano social, com boas ou más intenções. Os detentores de influência e poder económico, social, cultural e religioso, conduzem as preferências de toda a sociedade. As pessoas menos bafejadas pela sorte, por assim dizer, não podem contudo queixar-se da sua condição como pretexto para justificar seus vícios e dilemas existenciais.

A sociedade passa por uma profunda crise ética e moral, que nasce quando as pessoas passam a exercer com menos frequência a sua razão e reflexão e abandonam certos valores. Somos seres dotados de grande inteligência, o que nos diferencia da maioria dos outros animais, não todos. A maioria destes animais aparenta não questionar o passado e não se preocupar com o futuro distante. Aparentam apenas deterem como pulsão o seu instinto de conservação. O homem, por outro lado, tem a aparente capacidade de distinguir o certo do errado e possuir livre-arbítrio. Está sujeito contudo a apetites, paixões e inclinações, fatores que contribuem para orientar as suas ações últimas. Por tudo isto, a nossa razão deveria ser, em última instância, o critério fundamental para determinar as nossas condutas. As grandes tragédias históricas aconteceram necessariamente pela ausência desta e pelo exercício de valores metafísicos e valores ligados a paixões.

Eduardo de Montaigne
Parte 1
Parte 2


(Rógerio Reis)

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