Parte 3
A ética é também um estudo
filosófico acerca dos valores e princípios norteadores do comportamento humano,
e, numa fase onde existe uma grande crise de valores, torna-se imperativa uma
nova reflexão. Tal como os paradigmas científicos evoluem para novos paradigmas
assim que se deteta a sua incapacidade de responder aos problemas postulados, o
mesmo deveria acontecer com os paradigmas éticos.
Thomas Kuhn foi um filósofo que se dedicou ao
estudo da história da ciência e conseguiu mostrar duas diferentes faces da
mesma: Por um lado, a ciência é racional e controlada. Por outro, é uma
atividade concreta, que em cada época histórica apresenta características
próprias. Segundo Khun, as teorias científicas estão sujeitas a questões e
debates do meio social, dos interesses e das comunidades que as formulam. Por esse
motivo, Kuhn desenvolveu as suas teorias com enfoque historicista. Assim sendo,
e se a própria ciência que se revestiu sempre de carácter objetivo vai sofrer
este tipo de influências, então, a ética, devido à sua natureza, necessita de
contextos muito mais abrangentes e globais em termos sociais. Se assim fosse,
dever-se-ia reformular o paradigma ético de forma a concatenar todos os diferentes
paradigmas sociais. Mas será tal coisa praticável? Transportar a ética das
nossas convicções morais e consolidar novos paradigmas com base nos valores meramente
sociais?
A atividade material humana é uma
forma saudável de construção social, pois gera uma forma de competição que
impulsiona o desenvolvimento. Os meios de comunicação têm a capacidade de
orientar subtilmente o homem, impondo-lhe valores sem que às vezes ele se
aperceba. A constante disputa social hostiliza o homem, que acaba por ver nos
seus semelhantes meros oponentes e não indivíduos dignos da sua solidariedade,
tornando a questão da identidade e alteridade algo que necessita de urgente reflexão
e reformulação.
A sociedade atual é dotada de
mecanismos que colocam pessoas iguais em planos diferentes. Uns determinam os
destinos dos outros porque, simplesmente, são dotados de recursos para o fazer,
conduzindo assim o plano social, com boas ou más intenções. Os detentores de
influência e poder económico, social, cultural e religioso, conduzem as
preferências de toda a sociedade. As pessoas menos bafejadas pela sorte, por
assim dizer, não podem contudo queixar-se da sua condição como pretexto para
justificar seus vícios e dilemas existenciais.
A sociedade passa por uma
profunda crise ética e moral, que nasce quando as pessoas passam a exercer com
menos frequência a sua razão e reflexão e abandonam certos valores. Somos seres
dotados de grande inteligência, o que nos diferencia da maioria dos outros
animais, não todos. A maioria destes animais aparenta não questionar o passado
e não se preocupar com o futuro distante. Aparentam apenas deterem como pulsão
o seu instinto de conservação. O homem, por outro lado, tem a aparente capacidade
de distinguir o certo do errado e possuir livre-arbítrio. Está sujeito contudo
a apetites, paixões e inclinações, fatores que contribuem para orientar as suas
ações últimas. Por tudo isto, a nossa razão deveria ser, em última instância, o
critério fundamental para determinar as nossas condutas. As grandes tragédias
históricas aconteceram necessariamente pela ausência desta e pelo exercício de
valores metafísicos e valores ligados a paixões.
Eduardo de Montaigne
Parte 1
Parte 2
(Rógerio Reis)
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