segunda-feira, 30 de março de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

As palavras, filtros da realidade
Parte 1

Muitos pensadores queixam-se das deficiências da linguagem, contudo, os filósofos são infinitamente os mais preocupados com esse problema. A filosofia reside primariamente numa atividade puramente verbal, relativamente a outras ciências especialistas em agregar e relacionar fatos, sobre, por exemplo, combinações químicas e dinâmicas mecânicas.
A discussão verbal é o laboratório do filósofo. Não é de espantar que o filósofo seja particularmente sensível às imperfeições do seu principal instrumento. Muitos consideram a linguagem intrinsecamente inadequada à formulação de verdades fundamentais. As formulações linguísticas atingem, na melhor das hipóteses, formulações desvirtuadas, incapazes de promover a união entre a realidade e as palavras.

Há quem defenda que a linguagem vulgar não é adequada para fins filosóficos, por ser demasiado indefinida e ambígua, com caráter vago e inexplícito, dependendo sempre do contexto e com uma natureza que favorece interpretações equívocas.

Existem estudos sobre as relações entre linguagem, pensamento e cultura. Sabemos que todos os discursos têm particularidades, como por exemplo, o discurso poético e o discurso religioso. No entanto, a linguagem natural evolui de modo diferente. À medida que evoluímos, somos propensos à criação de meios para que a informação seja mais fácil de adquirir e armazenar, e liberte o ser humano da tarefa de ter que raciocinar e memorizar. As calculadoras, por exemplo, apareceram para simplificar o raciocínio matemático. Os computadores e sua linguagem, bem, apareceram silenciosamente nas nossas vidas e poucos são os que já deles prescindem. A linguagem e comunicação foram, sem dúvida, revolucionadas por esses objetos. O nosso cérebro, não tendo que efetuar certas operações, acaba por dedicar as potencialidades a outras coisas. Com os sistemas de armazenamento de informação já não somos obrigados a preocupar-nos com saber ou memorizar certos conteúdos. Quando precisamos, vamos aos arquivos. 

A linguagem natural tende a simplificar-se cada vez mais. A evolução tem sido nesse sentido, simplificar e retirar do cérebro para colocar noutro lado. O nosso cérebro já não é obrigado a ter que registar e raciocinar tanto, pelo fato de existirem meios artificiais para o efeito. Esse património fica registado e teremos sempre acesso a tudo, apenas não dentro da nossa cabeça. Estamos então a ficar culturalmente mais ricos mas individualmente mais estúpidos. Quantos de nós ainda se lembra do nome de todas as serras e rios do nosso país, entre outras coisas que os nossos avós tinham como obrigatório? O fato da nossa própria língua começar a ver-se livre de determinadas particularidades e frequentes revisões, é prova que a linguagem evolui numa perspetiva de simplificação.


A erudição é arcaica e torna-se desnecessária. Poucos são os que conhecem uma língua a fundo, simplesmente porque já não há necessidade.

Eduardo de Montaigne 

(Nathan Bell)

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