As palavras, filtros da realidade
Parte 1
Muitos pensadores queixam-se das
deficiências da linguagem, contudo, os filósofos são infinitamente os mais
preocupados com esse problema. A filosofia reside primariamente numa atividade
puramente verbal, relativamente a outras ciências especialistas em agregar e
relacionar fatos, sobre, por exemplo, combinações químicas e dinâmicas
mecânicas.
A discussão verbal é o
laboratório do filósofo. Não é de espantar que o filósofo seja particularmente
sensível às imperfeições do seu principal instrumento. Muitos consideram a
linguagem intrinsecamente inadequada à formulação de verdades fundamentais. As
formulações linguísticas atingem, na melhor das hipóteses, formulações
desvirtuadas, incapazes de promover a união entre a realidade e as palavras.
Há quem defenda que a linguagem
vulgar não é adequada para fins filosóficos, por ser demasiado indefinida e
ambígua, com caráter vago e inexplícito, dependendo sempre do contexto e com
uma natureza que favorece interpretações equívocas.
Existem estudos sobre as relações
entre linguagem, pensamento e cultura. Sabemos que todos os discursos têm
particularidades, como por exemplo, o discurso poético e o discurso religioso.
No entanto, a linguagem natural evolui de modo diferente. À medida que
evoluímos, somos propensos à criação de meios para que a informação seja mais
fácil de adquirir e armazenar, e liberte o ser humano da tarefa de ter que
raciocinar e memorizar. As calculadoras, por exemplo, apareceram para
simplificar o raciocínio matemático. Os computadores e sua linguagem, bem,
apareceram silenciosamente nas nossas vidas e poucos são os que já deles
prescindem. A linguagem e comunicação foram, sem dúvida, revolucionadas por
esses objetos. O nosso cérebro, não tendo que efetuar certas operações, acaba
por dedicar as potencialidades a outras coisas. Com os sistemas de
armazenamento de informação já não somos obrigados a preocupar-nos com saber ou
memorizar certos conteúdos. Quando precisamos, vamos aos arquivos.
A linguagem natural tende a
simplificar-se cada vez mais. A evolução tem sido nesse sentido, simplificar e
retirar do cérebro para colocar noutro lado. O nosso cérebro já não é obrigado
a ter que registar e raciocinar tanto, pelo fato de existirem meios artificiais
para o efeito. Esse património fica registado e teremos sempre acesso a tudo,
apenas não dentro da nossa cabeça. Estamos então a ficar culturalmente mais
ricos mas individualmente mais estúpidos. Quantos de nós ainda se lembra do
nome de todas as serras e rios do nosso país, entre outras coisas que os nossos
avós tinham como obrigatório? O fato da nossa própria língua começar a ver-se
livre de determinadas particularidades e frequentes revisões, é prova que a
linguagem evolui numa perspetiva de simplificação.
A erudição é arcaica e torna-se desnecessária. Poucos são os que
conhecem uma língua a fundo, simplesmente porque já não há necessidade.
Eduardo de Montaigne
(Nathan Bell)
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