Criação
3ª Parte
O pico da crueldade humana por
vezes não tem limites. A responsabilidade e resignação pessoal no ato de
procriar transforma o modo como amadurecemos. A partir de uma dada altura, a
presença de filhos obriga a que tenhamos que abdicar de muitos projetos, os
quais poderíamos usufruir em detrimento da suposição que um filho vai trazer
benefícios futuros. Visão egoísta? Porque gerar um filho se não
houver benefícios a priori nesse ato?
Será a oxitocina a responsável
pelo desejo de procriar? Até é compreensível que a natureza tenha dotado o sexo
feminino com um cocktail de hormonas para garantir a manutenção da espécie, mas
torna-se difícil de compreender como é que a mesma coisa possa acontecer com o
masculino. Está comprovado que a hormona oxitocina é responsável pela sensação
de prazer quando a mãe tem o seu bebé e também quando o pai segura o seu filho
nos braços. Vários especialistas referem-se a ela como hormona do amor. Assim
como a prolactina, a concentração de oxitocina aumenta 40% depois do orgasmo.
Seremos nós vítimas das nossas
glândulas endócrinas em detrimento da lógica? Assim como a ansiedade, a
depressão, e todas as condições originadas por desequilíbrios químicos no nosso
corpo, será o ato de procriar apenas mais um desses desequilíbrios, planeado
geneticamente para nos compelir a gerar vida?
A realização fantástica que se
passa no ventre da mãe, onde passivamente gera um novo ser, levando em mente a
ideia que é ela a responsável última pela construção daquela nova vida, adquire
uma dimensão meta-humana. Não acredito que fôssemos capazes de desempenhar uma
tarefa de ourives na geração, contudo, não existe nenhum laço humano como o que
existe entre mãe e filho. Como pertencemos ao reino animal, talvez este
processo não seja mais nobre do que qualquer um dos nossos companheiros de
Filo.
Talvez não haja nada realmente
nobre em todo o ato de criação. A geração de indivíduos como Kant ou Aristóteles,
entre outros génios, justificará por si só a necessidade de continuarmos a
insistir neste processo geracional, apenas porque, de vez em quando, aparece
alguém verdadeiramente extraordinário? Todos nascem com potencialidades, mas
salvo raras exceções, foi a aculturação que fez com que esses indivíduos se
tornassem no que foram. Mesmo com todas as potencialidades de genialidade e com
a promessa de trazer evolução a todos os outros, acreditamos que vale a pena.
Nenhum pai fica satisfeito com um filho idiota, todos desejam um génio. Não
significa isto que no fundo procuramos alguma forma de nos sentirmos bem
através da geração? Egoísmo que desacredita, em certa medida, as razões da
geração.
Eduardo de Montaigne
Parte 1
Parte 2
(Andi Galdi Vinko)
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