sábado, 6 de junho de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

II

Havia por ali um pequeno paraíso que conhecia desde criança e para onde poderia ir. Era um lugar onde fora feliz. Tranquilizava-o estar ali. Principalmente quando a sua ansiedade o fazia precipitar numa inaptidão em digerir desesperos e crises.

Debruçava-se sobre um pequeno riacho que ali se espreguiçava. Via o reflexo que se formava à superfície, distorcido pela corrente e só possível pela presença de pedras escuras no fundo. A água era fria e cristalina. Até ela fugia rapidamente da nascente na tentativa de encontrar algo maior.

Olhava para si mesmo enquanto procurava resistir dialeticamente aos seus pensamentos. Procurava fundir-se com a pureza da água numa tentativa de ablução. A força que movia a água era uma máscara, impedia que se olhasse nos olhos. Tinha medo da sua própria imagem. O seu devir teria que acontecer, ele apenas não sabia como.

O passado lutava para assomar na sua mente. Nunca conseguiria esquecer e de nada adiantava lamentar. O destino era algo que desafiava a sua lógica. Travava uma incessante batalha para provar que nada acontece por algum tipo de desígnio. Tudo estaria, sempre, nas nossas mãos. No entanto, o curso da água nunca se inverteria. O seu tempo esgotava-se, tudo o que poderia ter sido diferente agora não passava de um mero universo paralelo, pleno de possibilidades por realizar.

Recusava conformar-se em aceitar a ideia da sua própria fragilidade e finitude. Achava que tinha que haver uma solução para tudo, mesmo para as suas dúvidas. Por breves momentos desprendia-se dos seus funestos pensamentos e respirava profundamente. Tentava deixar-se invadir pela paz do cenário exterior a si, como se a beleza que contemplava, pudesse, de alguma forma, tornar menos lúgubre o seu interior. Não tinha muita fé em limpezas existenciais, acreditava que as nossas inclinações levam sempre a melhor. Sabia que a grande cegueira nunca foi não poder ver, apenas não querer sentir.

Assumia que a verdadeira felicidade é já não ter nada com que nos importemos. Havia, porém, muitas coisas que ainda precisavam de ser explicadas. Nem o livre arbítrio nem a crença num destino determinado eram suficientes para responder aos seus anseios.


Eduardo de Montaigne part. I


(Lana Sutra)

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