domingo, 12 de julho de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

VI

Abandonava-se a furiosos debates com seus pares, porém, reconhecia que nunca conseguiria respeitar o que eles pensavam. Procurava vivências e ideias que o iluminassem e lhe revelassem um pouco mais acerca de quem era, não ideias que o irritassem.

 O percurso que encetava era perigoso e ardiloso, com sérias probabilidades de descobrir que a razão da sua existência podia não ser tão nobre como desejava que fosse. Apesar de tudo, continuava a olhar para o futuro com otimismo.

 Estava na hora de fazer escolhas. Decidira partir para uma catedral de conhecimento. Julgava que ali poderia ver todas as suas questões respondidas e estava suficientemente longe para poder dar asas à sua já galopante inquietude, longe de perturbações. Não compreendia tantas coisas, nada era certo, nada era óbvio.

O passado insistia em cuspir-lhe memórias adulteradas pelo tempo. Os seus demónios lutavam para assumir controlo, segredavam-lhe promessas de libertação e insinuações de caminhos melhores para a superação da angústia que sentia. Sonhava com quem o tinha abandonado. Já quase tinha conseguido esquecer-se. Porque continuaria a voltar?

Questionava-se sobre o que faria e para onde iria. Parecia tudo tão simples mas no entanto tão dramático. Gostava de voltar no tempo para poder impedir certas coisas e de avançar no tempo para fugir de outras. Não sabia sequer porque tinha condenado quem decidira escapar da vida. Talvez fosse mesmo impossível viver assim. Lembrava-se bem da expressão que o rosto carrega quando se desiste e se escolhe a precipitação para a autoaniquilação. Imagem que lhe ficara cinzelada nas memórias por intermédio de um escultor da desgraça.

Pedia ajuda a quem imaginava viver na penumbra, mas questionava-se…
- Porque te peço eu ajuda? Viveste desligado de tudo e desististe. Como posso sentir-me diferente quando tudo me empurra para a solidão e indiferença? Se estás aí mostra-me o caminho. Assombraste-me hoje, fizeste--me acordar com os olhos banhados em dor quase esquecida. Todos os dias sinto que aquilo que me tornava diferente de ti se extingue lentamente, porém já compreendo melhor porque te quiseste ir embora.

Aquele mau estar existencial tinha-se instalado há muito. Eram pequenas coisas que o impediam de ser sugado para o abismo, não obstante o desprendimento que já sentia. Sem dúvida que ignorância e esquecimento seriam felicidade. Lembrar é apelar ao desespero. Homens de curta memória vivem felizes, os outros têm um fardo muito pesado para carregar.


Partiu com as malas carregadas de dúvidas e sua loucura como companheira. Homem em rota de colisão. 

Eduardo de Montaigne part. Ipart. II, part. IIIpart IV, part V


(Lana Sutra)

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